Somente havia contado a duas pessoas sobre eles, minha amiga Mari e o seu amigo da USP. O amigo de Mari, no entanto, sabe apenas da tábua de argila que ele examinou, sobrou apenas uma pessoa que sabe da tábua e dos decalques.
Neste momento meu celular tocou, levei um susto. Ao ver o identificador, era minha amiga Mari.
- Lembra-se das maletas que, sem saber, compramos iguais? – Falou a professora se referindo as valises de mão que, descobrimos nesta viagem, compramos na mesma loja e do mesmo modelo. – Acho que nos confundimos no desembarque, você ficou com a minha e eu fiquei com a sua, cheia de decalques.
Meu coração deu um sobressalto. Certamente ela havia contado sobre os decalques e agora, querem a mim para terminar a tradução. Com certeza, é uma armadilha.
- Podemos deixar para amanhã – respondi -, estou cansado. Acabaram de assaltar meu apartamento.
- Nossa Prawdanski, você está bem?
- Sim estou, vamos deixar para amanhã, ai faremos a troca.
- Sabe o que é – falou Mari -, naquela valise que ficou com você, eu levo meus objetos de higiene pessoal e, minhas roupas intimas. – E baixando o tom de voz, falou – Não tenho nenhuma calcinha limpa para trocar, estão todas ai, na valise!
Um pensamento preocupante se manifestou. E, se ela está sendo forçada a me chamar para o encontro. Ela pode estar como refém dos bandidos, que encontraram uma valise cheia de calcinhas em vez dos decalques. Ela pode estar em perigo. Preciso ajudá-la.
- Então vamos nos encontrar em algum lugar, que tal no shopping? – Sugeri a ela.
- Não. – Respondeu - Venha na minha casa!
- Eu estou com fome, assim eu como alguma coisa.
- Eu preparo algo para nós aqui.
- Eu insisto, só vou se for ao shopping!
Finalmente, após muita insistência, ela aceitou. Combinamos de nos encontrar na praça de alimentação, próximo ao restaurante mexicano. Depois de algum tempo ela chegou, estava com minha valise nas mãos. Ao ver-me, acenou e abriu um largo sorriso.
- Está com medo de ficar a sós comigo Prawdanski? – Ela falou sentando-se à mesa.
- Não, claro que não, só... – respondi, meio sem jeito.
- Não sabe o que está perdendo. – Falou ela baixinho.
- Está tudo bem com você? – perguntei.
- Sim, tudo bem – ela respondeu com seu característico sorriso, não parecia estar sendo pressionada a nada -, e ficarei melhor ainda quando me devolver minhas calcinhas! – Falou em tom de brincadeira.
Abri a valise, e constatei que estava tudo ali, os decalques e a tábua de argila. Definitivamente não era uma armadilha, nem fora ela quem contou, afinal, já estava de posse dos artefatos.
Contei a ela sobre o assalto, e sobre sua valise ter sido levada. Envergonhado contei que, a principio desconfiei dela, pois era a única que sabia, depois achei que ela estava em perigo, por isso marquei o encontro no shopping, onde tem bastante gente e, estaríamos mais seguros.
- Me deixa feliz que tenha sido por isso que não quis ir ao meu apartamento – falou minha amiga -, mas fico triste por ter desconfiado de mim.
- Desculpe, mas, era a única pessoa com quem falei... – tentei me justificar – o seu amigo da USP, só sabia da tábua...
Neste momento, Mari, levou a mão ao rosto. Sua expressão era de alguém de dieta que foi pego assaltando a geladeira de madrugada.
- Eu contei pra ele! – Falou a professora.
- O que? – Perguntei incrédulo.
- Eu contei pra ele tudo, inclusive dos decalques. – Lamentou-se minha amiga – Também achei que tudo não passava de uma brincadeira, e não vi mal em contar... me desculpe. – Agora levou a outra mão ao rosto, parece que irá chorar a qualquer momento.
- Acalme-se! – Falei, pegando em suas mãos e tirando de seu rosto. Olhei para seus lindos olhos castanhos, agora marejados em lágrimas e, completei. - Ninguém poderia imaginar. Também achei que era só uma brincadeira, o que importa é que estamos bem.
- Preciso ir ao banheiro. – Falou passando os nós dos dedos nos olhos, para reter as lágrimas. – Vou retocar a maquiagem! – Ela abriu um lindo sorriso, e saiu.
A imagem deste sorriso ficaria comigo para sempre, pois, fora a última vez que a vi. Fiquei, distraidamente, sentado, aguardando o retorno de minha amiga, quando ouvi alguém me chamar.
– Professor Prawdanski! – Imediatamente olhei, pensando ser algum aluno meu. Mas, para minha surpresa, eram os ladrões que invadiram a minha casa. Não estavam com a roupa preta ou o capuz, mas, eu tinha certeza... eram eles.
- Venha conosco, professor. – Falou um deles, mostrando, discretamente, o cabo de uma arma.
Não tive escolha, peguei a valise e levantei. Eles me colocaram a sua frente e falaram para seguir para o estacionamento. Quase não consegui cumprir as ordens, pois, minhas pernas não queriam me obedecer, frente ao medo tamanho que estava sentindo.
A praça de alimentação ficara para traz. Agora, estávamos descendo pela escada rolante, algumas vezes, olhava com o canto do olho, torcendo, inutilmente, para que os raptores não estivessem mais atrás de mim. Mas, eles estavam.
Tinha a certeza que me matariam, por isso, precisava fazer alguma coisa, só não sabia o que.
De repente, surgiu minha oportunidade.
Um grupo de três policiais estava caminhando, tranquilamente, em nossa direção. Pareceu que os bandidos também notaram a presença dos policiais, pois, me deixaram adiantar alguns passos à sua frente. Quando os policiais passavam ao nosso lado, num impulso que só o medo nos permite fazer, joguei-me contra os policiais e gritei:
- Socorro. Estou sendo seqüestrado!
Imediatamente um dos policiais saca sua arma.
– São eles! – Gritei, apontando para meus raptores, já escondido atrás dos policiais.
- Mãos na cabeça! – Gritou um dos policiais.
Neste momento os outros dois policiais já estavam com armas em punho. Um dos bandidos ainda levou a mão em direção à sua arma, mas, o que parecia ser o líder do grupo, fez sinal para não sacar. Todos levaram as mãos à cabeça. Esta foi a última cena que vi. Não esperei o desfecho.
Agora, já sabia que estava lidando com pessoas perigosas, por isso saí correndo para fora do shopping. Corri muito, e para minha sorte, passava um ônibus bem na hora que sai do shopping, não arrisquei pegar taxi, entrei no ônibus, sem ao menos saber para onde iria. Parece um presságio, porque, desde então, nunca sei para onde vou, simplesmente vou, sempre fugindo, sempre me escondendo. Felizmente, consegui ficar com a valise e, todo o seu conteúdo:
Os decalques e a tábua de argila cozida. O segredo continuou em minhas mãos.