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CAPÍTULO 19

O Chanceler está em frente ao seu computador biológico.
Desde os tempos de universitário, é seu costume criar anotações, rascunhos de seus planos, pensamentos e idéias. Isso o ajuda a pensar, a se organizar. Sempre soube bem dos riscos de expor suas idéias em mídia. – As informações poderiam ser “hackeadas”. – Mas não em Nippur.
Tem muita confiança em Nebo, aliás, fora Kalkal é o único em quem realmente confia. Mais até do que no seu assessor. Nebo já provara, por diversas vezes ser um profissional exemplar e, sobretudo, discreto. Jamais revelaria ou se apoderaria de arquivos que não lhe pertencem e, em Nippur é o único com conhecimentos para tal.
- O que fazer com Anzu? – Esta era a pergunta.
Ele já havia dado muito trabalho, mas não poderia dar a ele o mesmo destino que reservara a outros. Sua morte certamente alvoroçaria seus amigos ambientalistas e certamente traria o foco da imprensa de Nibiru sobre Nippur, e isso não poderia acontecer.
O Chanceler sabe bem a força que eles possuem, foi graças aos ambientalistas, mais precisamente, graças a Anzu que o próprio rei Anu obrigou-se a realizar uma viagem não programada à Nippur.
E não veio a passeio, veio movido por um motivo mais grave. Veio para prender o Chanceler Enlil.

***

- Majestade, a frota já está preparada para seguir até Nippur, tão logo ocorra o alinhamento orbital. – Falou o assessor do Rei.
O momento esta chegando, e Anu está tenso com o que iria ocorrer, afinal, Enlil é seu amigo pessoal, além de um grande líder político. Já foi Primeiro Ministro, o cargo administrativo mais importante de Nibiru, cargo este, que abriu mão para seguir a aventura de desbravar Nippur. Anu nunca entendeu esta decisão de seu amigo, mas, sempre soube que Enlil não suportava de viver à sombra de seu pai, e de sua pesquisa que o alçou a herói dos Anunnakis, sabia de sua constante necessidade em superar o seu pai, mesmo agora, que já estava morto.
Não seria nada agradável prende-lo, mas as leis precisam ser respeitadas, e elas se aplicam a todos, inclusive a ele, o Rei, e ao Chanceler de Nippur.
Enlil, seu irmão Enki e Anu cresceram juntos, como irmãos. Seus pais foram grandes amigos, e parceiros na salvação de Nibiru. Prender Enlil será uma tarefa árdua, e ele, como Rei, é quem deve executá-la. Sente que deve isso à Enlil, a Enki e até aos finados heróis de Nibiru. Virou-se para seu assessor e disse:
- Prepare minha espaçonave, eu irei pessoalmente para Nippur!
- Majestade - argumentou o assessor -, Nippur é um planeta hostil, selvagem, com instalações precárias...
- Eu sei disso. – Interrompeu o Rei - Mas é meu dever prender, pessoalmente, Enlil. Afinal, ele não é um criminoso qualquer - deu uma pequena pausa –, além do mais, já está na hora de assumir o controle de Nippur, que agora pertence ao meu reinado. Providencie para que possamos decolar no primeiro momento possível.
E o primeiro momento chegou.
A comitiva do Rei decola e, aos poucos vai avançando pela atmosfera. Passar pela proteção térmica é uma emoção à parte. Por alguns segundos, somente o que se vê do lado de fora da espaçonave é uma enorme mancha dourada, belíssima. O tilintar das partículas raspando na fuselagem confere um tom melódico ao momento.
Tão logo ultrapassaram a barreira dourada, revelou-se um universo grandioso e lindo, pontuado com milhões de estrelas, formando um grande tapete bordado de brilhantes. Essa é uma visão privilegiada para um Anunnaki, nunca possível a partir do solo de Nibiru. Este foi, por séculos, o motivo pelo qual os Anunnakis nunca se aventuraram no espaço. Não possuem o privilégio de olhar a noite para o céu e imaginar mil coisas a respeito daqueles pontos de luz, formar desenhos imaginários unindo-os, questionar se existiriam planetas em torno de cada um e se, talvez, em alguns deles haveria vida e, quiçá até, vida inteligente.
Anu estava em seus aposentos dentro da espaçonave, era sua primeira vez no espaço e deveria estar extremamente excitado com a experiência, porém, estava aflito e tenso.
Iria fazer algo que não gostaria, ficava imaginando como falaria com Enlil, como ele reagiria, como ele, Anu, se sentiria ao prender seu amigo Enlil. Começou a pensar em seu pai e em como ele agiria nesta situação.
Seu pai Anun, juntamente com Eni, o pai de Enlil e Enki, salvara todos os Anunnakis de um fim certo e terrível, um fim, ocasionado pelos próprios Anunnakis e seus atos inconseqüentes. Os dois Anun e Eni assumiram o governo do planeta, agora unificado. Anun tornou-se Rei de Nibiru, enquanto Eni, que era cientista, por escolha própria, tornou-se Ministro de tecnologia, o que contribuiu, entre outras coisas, para o prolongamento indefinido do tempo de vida dos Anunnakis.
O Rei Anun era sensato, imparcial e sempre tomou decisões acertadas, elevando a vida em Nibiru a um novo patamar de prosperidade.
Anu gostaria muito de ser como seu pai, mas, sabia que, por mais que se esforçasse não conseguia, não possuía a liderança e a sabedoria de Anun. Ele assumiu o cargo vitalício quando seu pai faleceu, graças a um acidente enquanto montava gogons selvagens, seu pai adorava grandes aventuras. Desde criança Anu fora criado para substituir o Rei e seu pai o educou para isso. Para Anu, esta fora a única tarefa em que seu pai não obteve existo, em parte porque, ele próprio sequer imaginava que algum dia seu pai morreria e quando morreu Anu não estava preparado o suficiente.
O chefe da segurança de Nippur comunicou a aproximação de uma esquadra de espaçonaves, que chegaria em breve, e juntamente com elas, está à espaçonave real.
Ao saber da informação, o Chanceler Enlil não se surpreendeu. – Sou muito importante para ser preso como um qualquer. – pensou, afinal, o Rei em pessoa estava vindo e certamente, este seria o motivo da visita. A amizade com Anu seria de grande valia nesta hora, sempre conseguiu manipulá-lo, desde que eram crianças.
A frota pousou, era composta por cinco naves: a do Rei, duas da guarda real e duas que fazem o transporte regular entre os planetas. A chegada das espaçonaves foi uma visão incrível, principalmente para os Lulu Amelus, que nunca as tinham visto. Seus cascos lustrosos brilharam com o sol de Nippur, seus foguetes lançavam chamas e um forte estrondo se fazia ouvir a quilômetros.
O chanceler se apressou em receber pessoalmente o Rei e sua comitiva.
- Anu, meu irmão, que saudades. – Falou Enlil empolgado dando um forte abraço no Rei – Devia ter avisado que viria, teria preparado uma recepção à sua altura.
- Também estava com saudades Enlil, meu irmão. – Respondeu tristemente Anu. – Mas, creio o motivo de minha vinda a Nippur não seja agradável ao ponto de merecer uma recepção. Precisamos conversar imediatamente!
O Chanceler encaminhou o Rei para o seu gabinete, enquanto era preparada a estadia real. Ofereceu-lhe um drink e sentaram-se no confortável estofado onde o Chanceler gostava de relaxar.
- Muito bem então Anu, mate minha curiosidade. Qual seria o motivo de sua visita? – Perguntou cinicamente o Chanceler, como se não soubesse.
- Enlil, você sabe muito bem que, o que fez, seu crime é gravíssimo. E, você não está acima da lei! – Acusou o Rei.
- Anu, eu não cometi nenhum crime! – Respondeu calmamente o Chanceler.
- Criar vida artificial é crime inafiançável. E você sabe perfeitamente, afinal, você mesmo foi o redator desta lei.
- Por isso afirmo que não cometi nenhum crime. Venha comigo, preciso lhe mostrar algumas coisas em Nippur que vão vou provar que estou certo.
O Chanceler já havia preparado de antemão um veiculo para este “passeio”. Foram direto para as aralis, lá Enlil mostrou para o Rei a precária situação dos trabalhadores, que ainda não dispunham dos Lulus para ajudar, eles ainda estavam em período de avaliação. Anu aproveitou para cumprimentar Enki, que na época, ainda estava vivo, e que pode confirmar o que Enlil já havia falado sobre a situação dos mineiros. Depois foram para a cidade, que realmente estava agora, graças aos Lulu Amelus, começando a ter aparência de uma cidade. Mostrou, ao longe, este povo trabalhando, sabia que este era o motivo da visita do Rei a Nippur, falou sobre sua inteligência e como estão sendo úteis, e que em breve seriam encaminhados para as minas, para ajudar na mineração tão vital para manter a vida em Nibiru.
- Como pode ver Majestade – falou orgulhosamente Enki -, os Lulu Amelus são imprescindíveis para o desenvolvimento de Nippur e para salvação de Nibiru. Sem eles, estaríamos fadados certamente à extinção.
- Vejo que estes novos seres são, realmente, bastante úteis – respondeu o Rei –, mas isso não o inocenta por ter infringido a lei.
- Me desculpe, meu amigo, mas discordo. – Contestou Enlil - Em nossa constituição, existe uma cláusula, escrita pelos nossos pais. E ela me inocenta.
Enlil estava se referindo ao parágrafo que cita: “No iminente risco de extinção dos Anunnakis, poderão ser utilizados quaisquer meios possíveis, mesmo que contra a Lei Ambiental, desde que não haja outra solução possível e imediata”.
- Eu conheço bem as nossas leis Enlil. – Falou o Rei – E não vejo risco de extinção iminente para nosso povo.
O Chanceler levou o Rei para a espaçonave que estava pronta para levar o minério extraído para Nibiru. Seu compartimento estava carregado com apenas metade da carga suportada.
- Em todo este ano de Nibiru, somente conseguimos esta ínfima quantidade de minério. – Falou o Chanceler – O que tem aqui não é suficiente para manter nossa proteção térmica por mais de um ano, teremos que utilizar nossas reservas estratégicas. Agora as condições de mineração estão ainda piores, para o próximo ano, sem os Lulu Amelus, extrairemos ainda menos. Este planeta é muito gelado e nossos equipamentos, que possuem processador biológico não resistem ao frio, e nossa espécie, você sabe, também não. Sem a ajuda dos Lulu Amelus, e sem uma solução definitiva para o problema em nossa proteção térmica, fatalmente entraremos em extinção. – O Chanceler olhou com reprovação para o Rei, e concluiu. - Nossas reservas estratégicas suportarão até quando a falta de reposição?
O argumento foi convincente, Enlil estava certo. Havia risco para o povo Anunnaki, e depois da descoberta da abundância nas jazidas de Nippur, houve grande euforia e foram cortadas as verbas para pesquisa de uma solução definitiva para o problema da proteção térmica. Ninguém supunha quão difícil seria a extração do material. Ficou claro que, sem a criação dos trabalhadores não conseguiriam prosseguir com a mineração e, como conseqüência, seu planeta, e eles próprios, corriam sérios riscos.
O Rei sentiu um grande alivio em descobrir que Enlil estava certo. Não precisaria mais prende-lo e, agora, finalmente, pode relaxar e apreciar as belezas de Nippur, como o seu belíssimo e insólito, céu azul.
Ainda em Nippur, o Rei assinou uma lei regularizando a situação dos Lulu Amelus, mas incluiu uma ressalva: "Jamais poderiam ser levados para Nibiru. Deveriam permanecer trabalhando somente em Nippur". Com esta lei, muitos Anunnakis se candidataram para vir a Nippur. As últimas espaçonaves foram concorridas, situação que não acontecia antes. Agora iriam receber pela colonização, sem precisar realizar nenhum trabalho braçal, já que os Lulu Amelus os realizarão.
O Rei Anu se despediu com a certeza de que Nippur estava sendo bem cuidada por Enlil, e que não precisaria intervir.
Enlil soube por suas fontes que foi Anzu quem enviou escondido, um cristal de dados para um amigo seu em Nibiru, amigo este que também faz parte do mesmo grupo de ambientalistas que Anzu. Este incidente quase acabou com os planos de Enlil, que só conseguiu escapar, não só ileso, como fortalecido, graças a sua astúcia política.
O Chanceler inclina-se para trás em sua confortável poltrona e fala para si.
- É Anzu, você ainda vai pagar pelo que fez... ainda tenho planos para você. Aguarde!