Na noite que escapei no shopping sabia que não era seguro voltar ao meu apartamento, ou ir para o de algum amigo, poderia envolvê-lo desnecessariamente, por isso, escolhi pernoitar em um hotel barato. A escolha de um hotel deste nível foi em primeiro lugar, porque não exigem registro de seus clientes, assim não deixaria rastro, em segundo lugar, porque estava com pouco dinheiro nos bolsos e, não poderia usar cartão.
Na manhã seguinte, tomei um ônibus rumo a uma cidade da região metropolitana. Minha intenção era sacar dinheiro de minha conta corrente para ficar o mais longe possível de Curitiba. No banco me dei conta de quão poderosas eram as pessoas que estavam me perseguindo. Minha conta, e todo meu dinheiro estavam bloqueados.
O baque desta notícia foi como se jogassem sobre minha cabeça, um balde de água fria, serviu para eu cair em si sobre o que estava acontecendo com minha vida. Até então, estava fugindo por impulso e, pelo orgulho moral em preservar uma relíquia, agora me questionava – Será que vale a pena?
Tentando reorganizar meus pensamentos, fui até uma lanchonete local e pedi um café. Apesar de ir contra minha meus princípios, estava disposto a entregar a tábua, bem como os decalques e voltar para minha vida normal. Estava assustado e com medo do que poderia me acontecer.
– Se entregar as relíquias me deixarão em paz! – Pensei.
Havia um televisor ligado em um destes programas policiais. Geralmente não dou muita atenção a este tipo de programa, mas, estavam mostrando uma matéria que chamou a minha atenção.
Um professor da USP fora assassinado em seu apartamento, até ai, infelizmente no Brasil, nenhuma novidade. O que o repórter sensacionalista mostrava, entusiasmado, era que, no dia anterior, o professor postou em sua página pessoal que havia realizado testes em uma tábua de argila com inscrições cuneiformes de mais de 170 mil anos e possuía gráficos de um aparelho de datação para comprovar. O repórter citou que, apesar de seu apartamento estar revirado, as únicas coisas que pareciam estar faltando eram os gráficos, e terminou com a frase:
- Se comprovado, esta informação colocará em xeque tudo o que já sabemos sobre nossa civilização. – E, terminou com uma pergunta maliciosa - Será que esta descoberta incomodou alguém?
- Filho da mãe! – Falei em voz baixa. – O professor é o amigo de Mari!
Quase derrubei meu café. Meu coração disparou e minhas pernas amoleceram. Se mataram o professor da USP somente por estar com os gráficos, que sem a relíquia não provam nada, imagine o que fariam comigo.
No começo, não parecia o melhor lugar para se criar um filho, ainda mais sozinha, mas, a vida na natureza a surpreendeu, e as cavernas se mostraram ótimos abrigos. Constantemente estavam mudando de lugar, Ninsun vivia com receio que os encontrassem, sabe se seria terrível. Por isso não deixava que ele saísse muito longe, o estava ensinando como se defender e se esconder neste mundo perigoso, mas, ainda é só uma criança.
Crianças não enxergam o perigo, o mundo para eles não passa de um grande brinquedo, que deve ser inconsequentemente explorado. Ninsun o chama, porém não obtém resposta, chama novamente, agora com mais força, e nada. Seu coração de mãe acelera, ela fica alerta.
– Será que o encontraram? Será que algum animal o pegou? – Pensa.
Ela anda em direção a algumas árvores cobertas de neve, que estão próximas, nem reparou na beleza do lugar, beleza esta que sempre exaltava, junto com seu filho. Ao passar próximo da primeira árvore, é surpreendida. Um vulto surge do nada e pula de cima da árvore e agarra-se com força em seu pescoço, com o susto ela grita.
Só após alguns segundos se recupera e descobre quem é seu agressor.
- Gil, que susto! – Falou com um sorriso de alívio em seu rosto ao ver seu filho vivo e feliz.
- A mãezinha... adoro esta sua cara de preocupação. – Respondeu o menino em tom meigo.
Gil é um belo hibrido Lulu, está agora com seis anos, mas, em tamanho já iguala sua mãe. Os Anunnakis são muito mais altos se comparados aos Lulus.
- Você não deve fazer isso Gil, sabe que me preocupo.
- Eu sei mãe, mas não tenho com quem brincar, me sinto muito sozinho. Estou com saudade de Hughu. Poderíamos morar com eles.
O início, após a fuga, foi muito difícil para Ninsun. Grávida e sem saber como se virar sozinha em um mundo que, apesar de ser sua terra natal, era desconhecido, jamais havia saído de Eridu, a cidade Anunnaki.
Hughu é uma criança de uma espécie nativa de Nippur, que os Anunnakis batizaram de kerabulus, eles ajudaram muito Ninsun principalmente quando ela deu a luz. Apesar de possuírem uma linguagem rudimentar e de dominarem o fogo e a fabricação de algumas ferramentas, não são muito inteligentes.
- Sorte deles. – pensava Ninsun – Senão eles é que seriam os escravos dos Anunnakis.
Ninsun trouxe em sua fuga, o livro da botânica Ninsar. No início, ele foi seu guia na hora de comer, pois havia um estudo sobre algumas plantas venenosas de Nippur, mas foram os kerabulus que a ensinaram realmente sobre o que poderia ou não ser comido, sem correr o risco de morrer ou ficar doente.
- Eu sei que está com saudades, querido – falou Ninsun, acariciando a cabeça de Gil –, mas não podemos viver com eles, é perigoso.
Ninsun gostava de viver com os kerabulus, pelo menos não estavam sozinhos, mas, como se dividiam em grupos numerosos, de cerca de trinta indivíduos, ela achava que seria fácil para os Anunnakis os encontrar, ainda mais que, os dois se destacariam no meio do grupo, graças às gritantes diferenças anatômicas.
- Vamos para dentro, hora de aula! – Falou a mãe para o garoto.
- Hááá Mããããe! Por quê?
- Porque você precisa aprender Gil, você é muito inteligente e deve exercitar este seu cérebro para ficar ainda mais!
Ela sabia que precisava passar tudo o que aprendeu para Gil, e também contar-lhe sua história. Contar que seu povo fora criado para servirem como escravos dos Anunnakis, que Lulu Amelu significa “Trabalhador Primitivo”, contar tudo que ela passou para salvá-lo da morte antes mesmo de nascer. Mas, como falar disso a uma criança, como contar que existem outros, e que são tratados de forma cruel, contar sobre os Anunnakis, sobre seu pai...
No tempo certo contaria tudo, mas, por hora, precisava ensiná-lo a ler e a escrever.