Realmente, o fazendeiro que me contratou é um homem muito rico. Sua fazenda, que segundo ele próprio, é uma das menores, é linda, com uma infra-estrutura de fazer inveja a muito hotel fazenda por ai.
A casa sede é grande e imponente, em um estilo colonial que remonta as construções européias. Há uma enorme piscina que possuí até uma pequena ilha e um grande lago artificial ostentando alguns barcos e veleiros.
Não combinamos preço pelas aulas, em parte porque estava com pressa em sair da cidade, e também porque, ao comentar sobre valores com o fazendeiro, ele gentilmente disse para não falar em assuntos desagradáveis naquele momento.
Na verdade não estava preocupado com isso, afinal, havia me safado de ser encontrado e agora, aparentemente estava seguro, e com casa e comida grátis. Combinamos que as aulas seriam a tarde e noite, o que me deixava o período da manhã livre para traduzir as tábuas, isso já era mais que poderia esperar, afinal, estava sem dinheiro.
- Isso é um absurdo. Não vou admitir isso! – Gritou Nebo ao pessoal da equipe de monitoração de Lulus, que insistia em querer instalar câmeras de segurança em sua casa, para monitorar sua Lulu – Vou falar com o Chanceler, isso infringe minha liberdade de Anunnaki!
- Senhor, esta medida é para o seu próprio bem! – Argumentou, cinicamente, o chefe da equipe.
- Aqui na minha casa vocês não entram! – Completou Nebo batendo, fortemente, a porta em suas caras.
Não foi somente Nebo que recusou instalar as câmeras para monitorar os Lulus. Lei esta criada pelo Chanceler para tentar resolver o problema dos constantes protestos dos Lulus, que exigiam melhor tratamento por parte dos Anunnakis.
A lei imposta pelo Chanceler teve o efeito contrário do previsto, ao invés de minimizar os protestos, o que fez foi aumentá-los, mas não por parte dos Lulus, e sim pelos próprios Anunnakis, que foram as ruas, protestar contra a violação da sua privacidade, já que, não havia forma de eles não serem também, flagrados pelas câmeras de segurança. Muitos Anunnakis mantinham escondido de suas esposas ou maridos, casos com Lulus, e as câmeras seriam a prova desta infidelidade.
O Chanceler ainda tentou se argumentar, através da CPC, mas não teve como convencer os Anunnakis.
A CPC é uma rede de comunicação primitiva mais eficiente que utiliza satélites estacionários para transmissão de imagem e som, é uma forma simples e barata de comunicação e de entretenimento. Foi implantada em Nippur com objetivo divulgado de trazer entretenimento, noticias e diversão aos Anunnakis de Nippur. Alguns juram que CPC quer dizer “Central de Propaganda do Chanceler”, mas o real significado é “Central Primária de Comunicação”, apesar de servir mais para as propagandas do Chanceler. A mídia é formadora de opinião, e também uma forma eficiente de manipular o povo e, o Chanceler, como bom político, sabe muito bem disso.
Mas nem toda propaganda do Chanceler através da CPC foi capaz de mudar a opinião dos Anunnakis e parar com os protestos, o Chanceler foi obrigado a cancelar o projeto de monitoração dos Lulus. Mais uma vez, ficou provado para Enlil, que não existe poder que resista quando muitos estão unidos por um objetivo em comum, por isso, o problema dos Lulus ainda preocupa, e muito.
Na tentativa de achar uma nova forma para deter as constantes greves dos Lulus, o Chanceler fez algo que não gostava e que evitava ao máximo.
Pedir a opinião de outros!
Reuniu em uma sala, todos os lideres e pessoas influentes de Nippur, de todas as áreas, para discutirem o problema. Enlil sempre gostou de impor suas idéias, sem consultar a ninguém, mas, neste caso precisou abrir uma exceção.
A reunião foi longa e tensa com várias, e acaloradas discussões. As soluções apresentadas variavam entre os extremos, Ereshkigal sugeriu aumentar ainda mais os castigos físicos aos Lulus, o que foi rejeitado, pois mais castigo significaria a morte de todos os Lulus, e, conseqüentemente, os Anunnakis seriam obrigados a voltar a trabalhar. Nebo por sua vez sugeriu que os Lulus fossem libertados e recebessem pagamento digno pelos seus serviços. Quase apanhou dos presentes.
Os Anunnakis se revoltaram com a idéia, alegando que, os Lulus foram criados para servi-los e não precisavam receber por isso. Horas se passaram sem um consenso, Enlil já estava arrependido em ter convocado a reunião – É muito mais fácil impor! – Pensou, mas agora tinha que ir até o fim.
Depois de muitas, e infrutíferas idéias, eis que, da pessoa mais improvável, surge algo sensato. Atrás do Chanceler anotando a Ata da reunião, estava sua secretária. No momento em que todos se calaram sem mais idéias, ela resmunga algo que fez todo sentido.
- Porque não usam de psicologia com os Lulus?
Ao falar isso, todos os presentes a olharam e, o Chanceler perguntou:
- O que a Senhora falou?
- Nada não... desculpem, só estava pensando alto. – Respondeu ela meio sem jeito, achando que havia atrapalhado.
- Por favor, repita o que disse. – Pediu o Chanceler.
A secretária, meio constrangida, falou:
- Eu disse, “porque não usam de psicologia com os Lulus?”.
- Explique melhor...
- Bem... isso sempre dá certo com crianças, eu vejo pelo meu filho, sabe que ele é terrível! – Começou a secretária – Para ele não adianta castigo físico, ai parece que ele apronta novamente só para irritar, por birra. A solução foi usar de psicologia, eu gosto muito deste assunto. Quando ele faz alguma coisa errada, eu o ameaço, explicando que seu ato terá alguma conseqüência ruim para ele como, por exemplo, não ganhar presente no seu aniversário. A ameaça nem precisa ser verdadeira, só o medo de que aconteça já faz com que ele se comporte.
A idéia fazia todo sentido e foi aprovada por quase todos.
Ameaça de castigo físico não resolve, está claro, afinal, já são submetidos a esta forma de castigo, e não tem medo. Tem que ser algo maior, algo que ele realmente temam, que lhes cause terror. Algo que lhes faça pensar duas vezes antes de agir, que lhes causa um arrependimento terrível, pelo resto de suas curtas vidas.
Nebo e Lizi estão deitados em sua cama.
Nebo contou sobre a reunião, a idéia que deu, e a reação dos outros Anunnakis. Lizi porém, não estava prestando muita atenção, ainda está tensa com o que viu nas anotações do Chanceler no Servidor, chamado de “Grande Cérebro”, as palavras vinham a sua garganta, graças a vontade de contar tudo à Nebo, mas tinha medo de perde-lo, e isso, ela não suportaria.
Ela o conhece bem, e sabe que Nebo leva muito a sério seu trabalho e, o sigilo de informações que ele exige. Durante todo este tempo ele sequer olhou algum dos arquivos armazenados no servidor, isso, para ele, não é ético. Mas Lizi olhou e o que viu a fez arrepender-se por sua curiosidade. Seu casamento é muito feliz, não poderia arriscar. De repente Nebo vira-se para ela e a fica olhando, sem dizer nada. Depois de algum tempo, ela finalmente nota, e pergunta incomodada:
- O que foi Nebo?
- Só estou te olhando. – Respondeu Nebo – É tão bom ter você comigo, sou muito feliz. Para nosso casamento ser completo, só falta mesmo termos um filho.
- Você sabe que não podemos. Iriam matá-lo antes de nascer, e você, poderia ser preso.
- Poderíamos fugir!
- Para onde? Eles nos cassariam!
- Ouvi dizer que uma Lulu conseguiu fugir.
- Ouvi dizer que ela morreu na fuga, isto sim. – E Lizi encerrou – Nós somos felizes querido, mas, nossa união vai contra o que seu povo aceita. Infelizmente temos que viver assim.
Nebo sabe que Lizi tem razão, nenhum Anunnaki aceitaria se soubesse a forma como vivem, como marido e mulher. Ter um filho, então, era inconcebível.
- É Lizi, você está certa – completou tristemente Nebo –, mas não custa nada sonhar...