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CAPÍTULO 57

Está muito quente.
Olhando, ao longe, na areia, o calor forma figuras fantasmagóricas que dançam como demônios divertindo-se no inferno. Para qualquer lado que se olhe, somente deserto, não há vida.
Em meio a esta desolação, está Gilgamesh parado. Não faz a menor idéia de como chegara ali, mas não está se importando com isso. Nada agora parece fazer diferença, apenas o desgosto pelo fracasso faz com que se sinta ainda pior.
- Existem batalhas que não se pode vencer! – Falou uma voz calma e reconfortante.
- Quem está ai? – Pergunta Gilgamesh, olhando em todas as direções sem ver ninguém.
- Não perca seu tempo me procurando.
- Quem é você?
- Não importa quem sou. O que importa, é quem é você.
- Eu sei quem sou. Sou Gilgamesh!
- Este é só um nome. Quem é você?
Gilgamesh, não respondeu. Não sabia a resposta.
- Responda! - Insistiu a voz - Quem é você?
Gilgamesh manteve-se calado.
– Não sabe a resposta, não é mesmo? – Questionou a voz.
Gilgamesh permanecia calado, não sabe a resposta.
- Sabe quem é você? Você é um erro, algo que não devia ter existido, uma aberração! – Falou a voz, rispidamente – Você não tem uma missão, porque, você não é capaz de realizá-la. As missões são para os competentes, não para você!
O aperto que sentia em seu peito, transformou-se em desespero. Gilgamesh sentou-se em uma pedra, que, até o momento, não estava ali. Colocou suas mãos no rosto. Todo peso de todo fracasso do mundo abateram sobre si, por alguns instantes, pensou que não teria forças, sequer para levantar-se desta estranha pedra.
- Volte para o fundo das cavernas, que é o lugar de onde nunca deveria ter saído! – Continuou a voz – Você e seu irmão. Desista desta historia de salvar os Lulus, eles foram criados para serem escravos, estão apenas, cumprindo o seu papel neste universo. É o propósito de sua vida, e... ninguém pode mudar isso!
Gilgamesh sabia que isso era verdade.
Ele estava buscando algo que não podia ser alcançado. Não havia mais dúvidas, devia ir embora. Devia desistir, de uma vez por todas, desta utopia em descobrir, o porquê da morte, do sofrimento, de livras os Lulus da escravidão. Voltará para floresta, encontrará os kerabulus. Assim como sua mãe o fez com ele próprio.
Mas, diferente de sua mãe, não iria esconder de seu irmão nada sobre os Anunnakis, e sobre o sofrimento de seu povo, os Lulus. Quem sabe seu irmão conseguiria realizar o que ele fracassou.
- Novamente você está errado Gilgamesh! – Falou novamente a estranha voz, com tom inquisidor – Poupe seu irmão. Ele não precisa passar pela humilhação de ser um fracassado como você. Chega desta bobagem, volte a ser o animal que sempre foi, esqueça os Lulus, os Anunnakis, Eridu... haja como se eles não existissem, e deixe seu irmão viver feliz!
As palavras foram duras. Atingiram fundo na parte mais sensível de si. Ele caiu em prantos, chorou copiosamente, principalmente, porque a estranha voz tinha razão, em seu intimo ele próprio sabia que não seria capaz de salvar sua gente, ou sequer encontrar as respostas que procurava. Também não devia passar este pesado fardo ao seu irmão, ele não merecia passar por isso.
A angustia de Gilgamesh foi tão intensa, que ele sequer notara que a estranha voz havia calado. O silencio era total, nem sequer o barulho do vento nas areias podia ser ouvido. Um par de mãos segura nas mãos de Gilgamesh, que ainda estão apertadas contra seu rosto, e, delicadamente, as puxa.
Com os olhos embaçados pelas lágrimas, Gilgamesh vê um borrão branco a sua frente, que aos poucos toma forma – é sua mãe, Ninsun.
Eles não falam nada, ela o abraça e o consola. Ficam abraçados por um bom tempo. Para Gilgamesh, ficaria para sempre nos braços de sua mãe. Mas, como para sempre é muito tempo, ela resolve quebrar o silêncio.
- Você está bem Gil? – Ele não fala nada, somente balança a cabeça demonstrando que não – O que você ouviu foi pesado, mas não verdade!
- Quem era aquela voz? – Perguntou soluçando.
- Não era quem, mas “o que”.
- Então mãe, “o que” era?
- Existem muitas coisas que você não entenderia. Não por falta de inteligência, mas, porque não está na hora. No momento certo, você saberá o que era aquela voz, e vai entender também, o porquê daquelas palavras tão depressivas e amargas. – Falou, agora acariciando os cabelos de Gil, que estava com a cabeça repousada em seu colo – Existem mais coisas além do que pode ser visto e ouvido, coisas que nem a poderosa ciência Anunnaki conseguiu ainda prever. Mas, por hora, basta saber que, o que a voz falou, foram somente inverdades!
- Mas ela tem razão mãe, sou um fracasso! – Desabafou Gil choroso – Estou há muito tempo nesta cidade, que odeio, e nem sequer consegui descobrir quem é o dono de um nome. O que estou fazendo não está resolvendo nada. Continuo da mesma forma que cheguei!
- Você salvou do castigo muitos Lulus, e, para eles, seus atos fizeram toda a diferença. Muitos estariam mortos agora se não fosse por você. Só por isso já me sinto muito orgulhosa! – Ninsun segurou a cabeça de Gil de forma que ele a encarasse, e sorriu fraternalmente. Neste momento toda a angustia que apertava o seu peito, instantaneamente se dissolve. O milagre de um sorriso, novamente se fez presente – O ódio é daninho, prejudicial. É ele que o está impedindo de encontrar o que procura. O perdão é um grande remédio, deve ser usado sem receio!
Gil tenta argumentar, mas ela o impede, apenas com o olhar, e prossegue:
- O passado não pode ser mudado, o futuro é o que, realmente importa, e é por ele que você não pode desistir. Existe muito em jogo neste momento, muito mais do que pode imaginar! – Ela abaixou-se e deu um beijo carinhoso na testa de Gil, e concluiu – Adeus filho preciso ir!
- Não mãe, espere...
- Filho, a realidade é um universo isolado dentro de cada um. Se você quer as respostas, faça as perguntas. Encontre os amigos, eles sempre podem ajudar...
A imagem de Ninsun foi, gradualmente, sendo substituída pela do esconderijo de Gilgamesh. Quando deu por si, ele estava sentado sobre uma pedra, com o braço esticado em direção ao que restou da sua fogueira.
Estava tudo claro, pois já havia amanhecido.