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CAPÍTULO 69

O ronco do helicóptero indicava que, ele estava cada vez mais próximo.
Poderia ser uma aeronave qualquer, mas, já estava calejado com a situação, por isso, resolvi não pagar para ver.
Olhando para o alto do barranco, constatei que o cume estava a uns dois metros além do que podia alcançar. Existiam muitas raízes das árvores que se equilibravam para não despencar e que, graças à erosão do terreno, fatalmente fariam seu último mergulho no despenhadeiro. Em outra situação, meu medo de altura não deixaria me arriscar a isso, mas, este é um momento impar.
Escolhi as raízes com aparência mais sólida e comecei a escalar o que restava do barranco, segurando-me nelas. Quanto mais próximo parecia o ronco do motor do helicóptero, mais rapidamente e desesperadamente, eu subia, agarrando-me às raízes. Neste momento, estava vendo o gramado do topo do barranco, faltavam apenas uns vinte centímetros para alcançar o cume, quando, à raiz que segurava-me com o braço esquerdo, partiu.
Despenquei, mas apenas alguns centímetros, já que, como havia muitas raízes, consegui agarrar em outra, isso acabou esfolando a palma de minha mão, que ardeu. O susto foi muito grande, e inevitavelmente, olhei para baixo.
Fui tomado pela vertigem.
Segurei tão firme nas raízes, que minhas mãos começaram a doer. Fechei os olhos e respirei fundo, tentando conter minhas emoções. Não sei se foi esta técnica que me ajudou, ou se foi o ronco do helicóptero que agora parecia estar a alguns metros, mas, o que importa é que tomei coragem e, em um movimento praticamente mecânico, subi até o topo com extrema rapidez.
Já no gramado, rolei para traz de uma pequena moita tentando me esconder. Neste exato momento, o helicóptero passa próximo ao barranco e claramente pude ver um de meus perseguidores armado, pendurado do lado de fora da aeronave, olhando atentamente em direção a onde estavam os restos de minha moto.
Certamente estava a minha procura.

***

Os fantasmas das experiências mal sucedidas a atormentavam.
Nammu acorda assustada, imediatamente senta em sua cama, está ofegante. Novamente aquele sonho. Já vem tendo estes sonhos há muito tempo, tão logo retornou para Nibiru, porém, a cada dia estão mais nítidos e, mais horríveis.
Em seu freqüente sonho, ela está andando entre grandes potes de vidro, ela sabe bem que potes são estes, são os potes de seu antigo laboratório em Nippur. As pesquisas para criação de uma nova espécie, por si só, não é fácil e, com o prazo apertado que tinham, muitos dos testes precisaram sair antecipadamente do território da teoria e inconsequentemente ir direto para prática.
Com caráter legitimamente acadêmico, resolveram documentar todos os resultados gerados. Para isso, armazenaram em grandes potes de vidro com uma solução química que impediria sua decomposição, todas as quimeras resultantes de suas experiências. Aquilo ficou horrível, realmente grotesco.
Seres com todas as deformações possíveis estão expostos, muitos esboçando um terrível olhar de desespero e dor, frente a sua natureza bizarra, o que deixava ainda mais sinistra a amostra. Naqueles potes, agora abandonados em seu ex-laboratório de Nippur, estão expostos seres com as deformidades mais variadas. Alguns tem a aparência de uma colcha de retalhos, como se, várias partes de vários animais fossem medonhamente costuradas, umas nas outras, outros não passam de uma bola de carne disforme, passando ainda pelos que possuíam vários membros a mais ou a menos, como, duas ou três cabeças, quatro braços ou até nenhum membro.
Para uma geneticista como Nammu, esta visão não tem muito impacto, mas, em seu sonho, todos estes seres ainda estão vivos, e lamentando por existirem, implorando pela morte. Seu sonho sempre acaba, quando em um dos potes de vidro, encontra um Lulu Amelu. Mas não é qualquer Lulu, é um muito querido, e sua fisionomia é de extremo terror. O Lulu Amelu que está vivo, dentro do grande pote de vidro, é Adapa.
Nammu reparara que ele possui diversos ferimentos, ela não consegue ouvi-lo, mas sabe que está implorando por socorro. O Lulu Amelu bate desesperadamente com os punhos no vidro, tentado quebrá-lo, ele sangra muito, tornando o liquido ao qual está exposto, vermelho. Do lado de fora do pote, ela também começa esmurrar o vidro, tentando quebrá-lo para libertar Adapa, quando de repente, a pele do Lulu Amelu começa a dissolver, derretendo como cera exposta ao calor, ele urra de dor, apesar dela não escutá-lo. Neste momento, todas às vezes, ela finalmente acorda.
Ela sabe que precisa falar com alguém, falar sobre os Lulu Amelus, desabafar, antes que perca sua lucidez. Mas, falar com quem? Está proibida de comentar sobre este assunto com qualquer Anunnaki de Nibiru, e não tem confiança total em alguém que sabe, manteria segredo. O único em quem confiava era seu pai, que agora, estava morto. De repente, em meio ao suor de seu pesadelo, um nome lhe vem à cabeça.
- Sinsh! – Falou para si mesma.
Em um estalo, lembrou-se de Sinsh. Ela era uma das geneticistas que trabalhou para Nammu em Nippur. Não eram amigas, mas, de todos os seus comandados, era com a qual ficou mais próxima, a que se mostrava mais amiga e confidente. Mostrou ser de confiança para Nammu e, além do mais, era uma das poucas em Nibiru, que sabia de toda a verdade.
Sua casa fica em um agradável prédio-bairro próximo a capital, a qual comprou com o que recebeu trabalhando no projeto em Nippur.
Nammu resolveu ir até lá sem ser anunciada, mas não sabia se teria coragem de bater à porta. O taxi para em frente à casa de Sinsh. Nammu desce e fica parada tomando coragem, enquanto o taxi se distancia.
Por fim, depois de algum tempo, acha melhor desistir.
– Só devo estar cansada. Os sonhos devem ser só uma bobagem! – Fala para si mesma tentando se animar.
Não vai mais falar com Sinsh, não teria coragem, pareceria fraca. Nammu Vira as costas e vai saindo a pé, pensando em como está agindo como uma tola. Já havia dado alguns passos, quando alguém a chama:
- Doutora Nammu? – Nammu vira em direção à voz. É Sinsh, a geneticista que viera procurar – Que surpresa vê-la por aqui! – Fala Sinsh animadamente.
- Pois é... – responde Nammu, meio desconcertada.
- Não acredito que estava à frente de minha casa, e não iria me fazer uma visita!
- Na verdade eu vim para lhe ver, mas pensei que seria melhor avisar antes e...
- Que é isso, Doutora. O que fizemos juntas em Nippur nos dá o direito de nos visitarmos sem ter hora marcada. Por favor, entre! – Fala com um largo sorriso no rosto, apontando para porta de sua casa. Este sorriso sempre despertou a confiança de Nammu.
Dentro da casa, Sinsh serviu chá e biscoitos.
A simpatia de Sinsh sempre a fazia sentir melhor. Nammu não resistiu e, contou-lhe dos sonhos que andava tendo e de como isso a estava perturbando. Falou também, que precisava conversar com alguém sobre o que fizeram, precisava desabafar, contou ainda, da imensa vontade de revelar tudo aos Anunnakis, confessar seu pecado. Sentia que, se contasse, ficaria com sua consciência mais tranquila.
Quando terminou estava às lagrimas. Sinsh se aproximou e a abraçou fraternalmente.
- Mas Adapa está morto. Nós mesmas o enterramos e com muitas solenidades. – Falou Sinsh – Nós o amávamos, como um filho, mas, ele precisava viver pouco, você sabe disso!
- Eu sei! – Respondeu Nammu chorosa – Mas os sonhos podem estar querendo passar alguma mensagem. Não que Adapa esteja em perigo, mas, podem ser os outros Lulus. Será que eles estão sendo bem tratados? Será que estão cuidando deles como deveriam?
- Nammu, fique tranquila. Eu sei que, para você, eles são como filhos, e é normal uma mãe se preocupar. Já viu o noticiário? Eles sempre mostram imagens dos Lulus, diretamente de Nippur. Eles estão super felizes nos servindo e, estão sendo tratados conforme as regras que você escreveu. Está tudo bem!
- Sinsh, você entende o problema? Nós não podemos usá-los como nossos escravos, não é certo. Você sabe bem por que. Acho que todos os Anunnakis deveriam saber também, assim teríamos certeza de um bom tratamento a eles. Eles são mais do que todos pensam que são!
As duas conversaram por mais algum tempo. Sinsh sempre tentando acalmar Nammu, persuadi-la a não contar a verdade sobre os Lulus, alegando que prejudicaria a vida, não só dela, mas de muita gente. Gente que esteve envolvida neste projeto. No fundo, Nammu sabe que Sinsh tem razão. Não só a carreira de muita gente estaria arruinada, como a cadeia era certa para todos.
Em uma tentativa de animá-la, Sinsh começou a lembrar do dia em que aterrissaram em Nippur, das esperanças e receios que aquele momento lhes proporcionou.
Aquele dia ficaria marcado para sempre em suas vidas...