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CAPÍTULO 73

- Eu não acredito! O que ele está fazendo aqui?
- Doutora Nammu – fala o Reitor -, sei que já conhece o doutor Ninhursag. Agora ele é o novo coordenador do curso de Engenharia Genética!
- Como vai Nammu? – Perguntou Ninhursag, arrogantemente.
De todas as coisa ruins que já aconteceram na vida de Nammu, boa parte delas foi graças a ele, inclusive foi a causa, ainda que indireta, por ter aceitado desenvolver o projeto dos trabalhadores primitivos.

***

No local e hora marcados, Nammu se apresenta.
Está ansiosa, não imagina o porquê do Chanceler convidá-la para uma visita as aralis, mas também esta contente, pois finalmente terá a oportunidade em conhecer a verdadeira razão que os trouxe para este gelado planeta.
Em frente à sede temporária do Governo, está parado o veiculo que os levará. Ao seu lado, um grupo da guarda pessoal do Chanceler também espera para embarcar. Finalmente o Chanceler sai do prédio, seguido por seu assessor, vem diretamente em direção a Nammu e efusivamente a cumprimenta.
- Obrigado por atender ao meu pedido, doutora! – Na verdade, foi uma ordem - Acredito que esteja curiosa?
- Realmente estou tentando imaginar o motivo deste convite.
- Temos um problema para resolver nas minas e preciso de um parecer técnico seu. Por favor, vamos entrando! – Falou educadamente, apontando para porta do veiculo.
Todos entram e se acomodam. Imediatamente o veiculo levanta vôo rumo às aralis.
Do alto Nammu pode observar quão primitivo e belo, é o planeta. Uma imensidão verde, nenhuma casa, nenhum prédio, nenhuma fábrica. Ela pensa em seu planeta natal, que também já fora um dia assim e que hoje, para ver vegetação, só em alguns parques. Animais, os que ainda resistem, só em zoológicos. Aqui ela observa manadas gigantes migrando despreocupadamente, sem rumo, sem pressa...
O frio fica mais intenso, não dentro do veículo, mas fora. Ela sabe disso porque começam a surgir mais e mais pontos de gelo na paisagem. Ao longe já pode observar um enorme buraco, uma ferida aberta no solo de Nippur, ninguém precisou falar, ela sabe que ali ficam as minas. Pensou consigo mesmo se seu povo não merecia realmente sua pena, se não merecia ser extinto, pareciam um tumor, um câncer, destruindo tudo a sua volta, destruindo quem lhes abriga e sustenta, esquecendo que a destruição do planeta onde moram, significa, a sua própria destruição.
Já em terra, um grupo da guarda pessoal do Chanceler sai primeiro para um reconhecimento, após alguns instantes um deles volta e informa que é seguro sair. Todos levantam, vestem seus casacos e saem.
A temperatura externa é muito baixa, o vento chicoteia o corpo de Nammu que se encolhe, é muito mais frio do que na cidade, muito mais frio do que jamais sentira. Enki os aguarda, a expressão em sua face não é boa, ele os cumprimenta e os encaminha para o refeitório dos operários, que já estão esperando. Ouve-se um murmúrio enquanto entram, suas expressões também não são boas.
A comitiva do Chanceler avança entre as mesas, o Chanceler os cumprimenta com um característico sorriso político em seu rosto, mas o clima é tenso, dá para sentir no ar. O grupo chega à frente do refeitório, o Chanceler levanta seu braço como se fosse acenar para alguém e fala.
- Boa tarde meus amigos...
Neste instante o mundo desaba.
Ouve-se um enorme barulho de coisas quebrando, Enki puxa Nammu para trás de um balcão, a guarda pessoal do Chanceler entra em ação, os trabalhadores estão extremamente exaltados e querem a todo custo agarrar o Chanceler, ouvem-se gritos de pega, mata, não deixa escapar! A guarda pessoal tenta a todo custo protegê-lo, mas em vão, vários golpes o acertam. Nammu, atrás do balcão, está apavorada.
De repente ouve-se um disparo. Todos param.
Em pé, sobre o mesmo balcão que protege Nammu, está Enki, em pé, com uma arma na mão, ele grita:
- Parem com isso! Vocês são Anunnakis ou são animais. Nós o chamamos aqui para conversar com ele, e não para matá-lo!
- Mas veja quanto tempo ele levou para vir falar conosco. Ele está fazendo pouco caso de nós! – Gritou exaltado um dos trabalhadores.
- Mas agora ele está aqui! - Gritou Enki - Vamos dar a ele a chance de se explicar. Sentem todos!
O chanceler olha assustado de traz de sua guarda pessoal, está com a mão no rosto, onde fora atingido por alguém. Os trabalhadores sentam, Enki é muito respeitado pelos mineiros, isso fez a diferença. Ainda ouvia-se ainda alguma conversa, Nammu foi saindo lentamente de seu esconderijo. Enki dirigiu-se ao seu irmão e lhe falou.
- É a sua chance de convencê-los. Se não conseguir, nem a autoridade que tenho sobre eles irá te salvar!
Os trabalhadores se rebelaram contra o Chanceler. Não admitiam a demora com que ele atendeu a seu pedido, consideraram um descaso, afinal eles estavam minerando o material que salvaria seu planeta e a eles próprios. Já estavam esperando por esta reunião há vários meses, Enki foi pessoalmente, várias vezes falar com Enlil, exigindo sua presença, presença esta, que só ser tornou realidade graças à greve dos mineradores. A desculpa do Chanceler sempre foi à construção de Eridu, mas, para os mineiros, nenhuma construção de cidade justificaria esta demora.
Por um momento, o Chanceler se viu em maus lençóis, não esperava por esta reação tão violenta e sabia que sua pequena escolta não seria suficiente para salva-lo, se não fosse pelo respeito que os operários têm por Enki, certamente, teria acontecido o pior. Agora teria a oportunidade para se justificar, isso o deixava um pouco mais tranquilo, tinha confiança em sua capacidade de convencimento, já enfrentara platéias exaltadas anteriormente e sempre saiu vitorioso. – Esses trogloditas podem ser facilmente manipulados! – pensou.
Ajeitou sua roupa, passou a mão pelos cabelos, tomou fôlego e deu um passo a frente em direção aos trabalhadores.
- Senhores – começou -, reconheço como legitima a revolta demonstrada e solidarizo com vocês. Realmente eu pequei em adiar nosso encontro, mas, posso assegurá-los que tenho um bom motivo e provarei agora para os senhores.
Houve um pequeno alvoroço entre os operários, Enki apertou a arma com as mãos, preparando-se para possível necessidade de usá-la. O Chanceler acena com a mão pedindo calma, e prossegue:
- Quando descobrimos este mundo nosso povo viu mais que um planeta, viu a esperança para curar um mau que nós mesmos causamos e que, quase nos destruiu. – Deu uma pequena pausa – Depois, nós sabíamos qual era o remédio para curar o mau, mas, ainda estava faltando o principal. Precisávamos de heróis para buscar este remédio.
Em nossa história, senhores, sempre tivemos muitos heróis. Alguns se arriscaram contra um governo medíocre sem esperar recompensa, apenas, salvar nossa gente. Tivemos ainda heróis que saíram pelo espaço, coisa que nunca fizemos anteriormente, procurando o minério que precisamos para salvar nosso planeta, e encontraram. Agora, novamente precisemos de heróis, mas estes devem ser especiais, porque, além de heróis, devem ser mártires. Devem realizar sacrifícios desmedidos, tomando parte de uma façanha que ninguém mais havia tentado. E hoje, senhores, eu estou diante destes heróis.
Alguns protestos foram ouvidos, sabiam que estavam sendo bajulados. O Chanceler ignorou os comentários, aumentou o tom de voz e prosseguiu.
- Amigos. Vocês são heróis, verdadeiros heróis e jamais, ouviram, jamais deixem alguém falar o contrário. Enquanto a maioria de nosso povo está no conforto de Nibiru, vocês aceitaram o convite para esta aventura em um planeta distante e selvagem. Longe de suas famílias, longe de seus amigos, longe do conforto, longe de seus amores... Quem mais aceitaria está missão além de heróis? Eu, meus amigos, abri mão do segundo cargo mais importante em nosso planeta, para vir para este distante e gelado planeta, assim como vocês, voluntariamente e, sabem por quê? Porque eu sempre soube quão duro seria o trabalho aqui, e sabia também, que ficaríamos muitos anos explorando os recursos deste mundo.
Vi que não seria possível manter pessoas trabalhando por todos estes anos em condições tão precárias como as que nos encontramos hoje e, ainda por cima, longe dos seus. Ninguém aguentaria. Ninguém, por mais herói que fosse. E é por isso que estou investindo recursos que poderiam ser utilizados nas minas para realização do que, muitos chamam de utopia, mas que eu chamo de um novo lar, uma cidade Anunnaki em Nippur.
O Chanceler deu uma pequena pausa em seu discurso, sabe que este recurso chama ainda mais a platéia para suas palavras, então continuou:
- Alguns estão aqui a quase um ano de Nibiru, outros um pouco mais, e já não estão suportando o pesado fardo e, eu sabia que ninguém suportaria mesmo. As condições são muito duras, mesmo nossos veículos e máquinas não aguentaram. Com a construção desta cidade, iremos trazer um pedaço de nosso lar para Nippur, traremos nossas famílias, teremos entretenimento, lazer, realmente um lar. Este é meu objetivo, porque eu sei que necessitaremos do processo de mineração por muito mais tempo ainda. Só iremos parar quando exaurir os recursos de Nippur.
Novamente a platéia começou a ficar impaciente. Percebendo isso, Enlil muda um pouco sua estratégia.
- Quando Enki me procurou – prosseguiu -, solicitando esta reunião, achei importante vir até vocês não apenas com discursos ou promessas, mas, com soluções concretas. E este é o motivo da minha demora em visitá-los, de forma alguma foi descaso. Eu trago soluções!
Os Anunnakis se agitam ainda mais. O Chanceler pede silencio e prossegue:
- Vocês, mais que ninguém sabem que, nossas máquinas não foram desenvolvidas para trabalhar em tão duras condições e, principalmente em um lugar tão frio. Solicitei ao departamento de engenharia de Nibiru uma solução. Infelizmente a resposta não foi positiva.
Segundo os engenheiros, precisaríamos de máquinas pequenas, resistentes ao frio e umidade e com inteligência superior para operar de forma auto-suficiente. Não teríamos estas máquinas a curto ou médio prazo. Foi então que me veio uma idéia, porque não utilizarmos uma das ciências mais desenvolvidas por nossa raça, a qual temos profundos conhecimentos e grande experiência? Novamente consultei nosso planeta e, agora sim, a resposta foi mais positiva. A solução mais simples, rápida e viável possível será, através da engenharia Genética, a criação de um trabalhador artificial, criado exclusivamente para trabalhar em Nippur.
A solução apresentada pelo Chanceler soou como impossível aos trabalhadores, que desconheciam completamente esta ciência - Criar um trabalhador através de engenharia genética? - Parecia aos olhos dos operários, ficção. Mas na verdade não era. Já haviam criado vários seres artificiais em seu mundo, antes de vigorar a lei ambiental e, possuíam a tecnologia para isso. Mas a idéia causou um grande alvoroço, tanto que precisou novamente da intervenção de Enki, que gritou pedindo silêncio, ao que os operários atenderam.
- Não é nada fantasiosa esta idéia, meus amigos. – Argumenta o Chanceler - Vejam os exemplos que temos, os canineus são um deles e já estão conosco há tanto tempo que até esquecemos que nós os criamos artificialmente e há muito tempo, quando nossa tecnologia ainda era bem menor. Mas para não deixar dúvidas de que isso é possível, trouxe até vocês, um especialista que pode dar seu parecer técnico. A Doutora Nammu.
O Chanceler aponta em direção a Nammu, vários assovios foram ouvidos. Ela foi pega de surpresa, não contava com isso, e titubeou ao responder.
- Bem... é possível... temos que fazer um estudo mais aprofundado... tem ainda os impedimentos legais...
Ao ver sua hesitação, o Chanceler interrompeu.
- Os problemas legais já estão resolvidos. Estamos em outro planeta e tenho o aval do Rei para esta criação. Mas, se você não se sentir confortável com este projeto, não se preocupe. Conversei com o Doutor Ninhursag em nosso planeta e ele se mostrou feliz em vir para gerenciar este projeto aqui em Nippur, posso chamá-lo imediatamente.
Foi um golpe baixo, Nammu tem uma rixa pessoal com Ninhursag. Eles foram namorados na faculdade, ela o amava. Nunca suspeitou das suas verdadeiras intenções. Ninhursag roubou o projeto de Nammu, apresentando-o como seu. Este projeto lhe rendeu muito prestigio, e uma ótima bolsa para pesquisas. Nammu ficou sem nada, jamais conseguiu provar que o projeto era seu. Além do coração partido, ainda perdeu alguns anos de dedicação a algo que não lhe rendeu nada.
O Chanceler sabia que Nammu não iria correr o risco de ser subordinada pelo seu desafeto, e tinha razão. Imediatamente o discurso de Nammu tomou outro rumo.
- É possível sim, a criação de um trabalhador artificial para trabalhar nas minas! – Interrompe Nammu - Temos a tecnologia e já fizemos isso antes. Precisamos apenas levantar o perfil deste novo ser e encontrar os DNA's de seres que se encaixem neste perfil, provavelmente de animais nativos pois já são acostumados ao clima. Depois é só manipulá-los conforme nossa necessidade. Podemos sim, criar um trabalhador artificial e... eu o farei!

***

- Eu não aceito trabalhar com este desonesto! – Grita Nammu - Se ele vai ficar, eu peço minha demissão!
- Não gostaria de perde-la doutora – respondeu o Reitor -, mas, não tenho escolha. Se prefere sair, eu entendo sua decisão.
Nammu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Olhou para Ninhursag, que esboçava um olhar de satisfação. Ela sentiu vontade de matá-lo, mas não podia. Um aperto veio subitamente ao seu peito, e sentiu uma vontade incontrolável de chorar, mas não iria dar este gosto a ele. Simplesmente, girou nos calcanhares, e saiu da sala, batendo a porta atrás de si.
- Parabéns Senhor Reitor. – Falou o arrogante Ninhursag - Aqui está o generoso cheque que meus superiores prometeram. – E jogou, desdenhosamente, o cheque sobre a mesa do Reitor.
- Ela não merecia isto. – Desabafou o Reitor sacudindo penosamente a cabeça - Se minha instituição não estivesse precisando urgentemente deste dinheiro, jamais aceitaria.
- Que isto lhe sirva de lição, Reitor. – Ninhursag exibe um sorriso asqueroso - A partir de agora, controle melhor seus gastos.